sábado, 9 de abril de 2011

Malba Tahan e o Homem que Calculava


AVISO, O TEXTO ABAIXO PODE TE DAR SONO.

- Para pôr termo a essas desconfianças – sugeriu o vizir – vamos submeter o nosso hóspede a uma prova decisiva.
E dizendo isso, ergueu-se da cômoda almofada, e, tomando delicadamente Beremiz pelo braço, conduziu-o até uma das varandas do palácio.
Abria essa varanda para o segundo pátio lateral que, no momento, desbordava de camelos. E que lindos espécimes! Quase todos pareciam de boa raça. Avistei, de pronto, dois ou três brancos, da Mongólia, e vários carehs, de pelo claro.
- Eis aí – disse o vizir – a bela partida de camelos que comprei ontem e que pretendo enviar, como dote, ao pai de minha noiva. Sei precisamente, sem erro possível, quantos são!
E o vizir para tornar mais interessante a prova, enunciou, em segredo, ao ouvido de seu amigo Iezid, o poeta, o número total das alimárias.
- Quero agora – prosseguiu, voltando-se para Beremiz – que o nosso calculista diga quantos camelos se acham no pátio, diante de nós.
Fiquei apreensivo com o caso. Os camelos eram numerosos e confundiam-se no meio da agitação em que se achavam. Se o meu amigo, por um descuido, errasse o cálculo, a nossa visita teria como conseqüência o mais doloroso fracasso. Depois de correr os olhos pela irrequieta cáfila, o inteligente Beremiz  disse:
- Senhor vizir! Quero crer que se encontram, agora, neste pátio 257 camelos!
- É isso mesmo – confirmou o vizir. – Acertou. O total é realmente esse: 
-257! Kelimet-Uallah.
- E como chegou a esse resultado tão depressa, e com tanta precisão? – indagou, com indisfarçável curiosidade, o poeta Iezid.
- Muito simplesmente – explicou Beremiz. – Contar os camelos, um por um, seria a meu ver, tarefa sem interesse, do valor de uma bagatela. Para tornar mais interessante o problema, procedi da seguinte forma: Contei primeiro todas as pernas e em seguida as orelhas: achei, desse modo, um total de 1.541. A este total juntei uma unidade, e dividi o resultado por 6. Feita essa pequena divisão, encontrei o quociente exato: 257!
- Pela glória da Caaba! – clamou, com alegria, o vizir. – Isso tudo é originalíssimo e estupendo! Quem pudera imaginar que esse calculista, para tornar mais interessante o problema, fosse capaz de contar todas as pernas e orelhas de 257 camelos!


Bem, se você conseguiu ler este texto e chegar até aqui significa que é uma pessoa curiosa sobre os problemas matemáticos. Nada contra, pelo contrário, a Matemática é mãe de todas as ciências e sem ela um povo não é nada.
Outra coisa, não escrevi o aviso antes do texto com motivos pejorativos. O texto pode sim lhe causar sono porque vivemos em um país onde o ensino de Matemática não é nada valorizado, e o nosso inconsciente costuma repudiar certas lembranças como aquelas temíveis provas de equaçãodesegundograutformuladebáskaraesenoconcenotangente e... enfim, tenho trauma de Matemática.


Mas vamos ao livro. Malba Taham é o heteronônimo de Júlio César de Melo e Sousa, um professor de Matemática que tinha consciência que o ensino desta matéria era feito de maneira pedante neste país. Entusiasta do Oriente, ávido curioso da cultura árabe, Júlio César decidiu mesclar todo este conhecimento com o seu saber sobre a ciência de Euclides para facilitar o aprendizado. Além disso, se tornou um pioneiro em divulgar a matéria de maneira fácil e divertida. Conseguiu muitos inimigos na época, mas também nobres amigos como por exemplo Monteiro Lobato. Ok, ok, este escritor esta em baixa ultimamente mas não vamos esquecer que sua obra é significativa ainda hoje, tirando o racismo é claro.
Como um livro de Curiosidades Matemáticas O Homem que Calculava consegue te prender desde o começo. O narrador da história encontra Beremiz Samir, um singular personagem que se revela ser um fabuloso calculista da Pérsia. Eles decidem viajar juntos para Bagdá e ainda no trajeto Beremiz dá mostras de sua extraordinária habilidade com os cálculos.(Wikipedia)
Temos aí o eixo narrativo que é o mote para o protagonista resolver vários problemas matemáticos. Seria covardia eu analisar o valor literário do livro pois ele se presta a colocar a Matemática sob um ângulo diferente, uma visão prática, poética e até espiritual da matéria. 


Júlio César vestido de Malba Tahan



Muitas coisas são forçadas como por exemplo a infalibilidade de Samir, o seu poder sobre humano de contar franjas de barras de bailarinas ou as palavras que falou, como no trecho a seguir:
Viajamos juntos, até o presente momento, 8 dias exatamente. Durante esse tempo, para esclarecer dúvidas e indagar sobre coisas que me interessavam, pronunciei, precisamente, 414.720 palavras. Ora, como em 8 dias há 11.520 minutos, posso concluir que durante a nossa jornada, pronunciei em média, 36 palavras por minuto, isto é, 2.160 por hora. Esses números mostram que falei pouco, fui discreto e não tomei o teu tempo fazendo-te ouvir discursos estéreis. O homem taciturno, excessivamente calado, torna-se desagradável; mas os que falam sem parar irritam ou enfastiam seus ouvintes. Devemos, pois, evitar as palavras inúteis sem cair no laconismo exagerado, incompatível com a delicadeza.
Algo me diz que hoje em dia Beremiz seria chamado de o mutante da matemática com todas as características para pertencer ao X-Men. Porém, ressalto novamente, não tem como avaliar este livro com as ferramentas da crítica literária. Temos sim elementos clássicos da literatura como uma história de viagem ao um país exótico, história da matemática e da filosofia, ditados religiosos e frases de efeito porém a ideia não é esta, a ideia é mostrar que podemos sim aprender matemática, que ela não é uma matéria tão complicada e que sem ela não sobreviveríamos. Se focarmos neste ponto teremos uma obra singular, principalmente para época, onde as histórias se mesclam para mostrar a utilidade do cálculo tanto para vida real como para o entretenimento.
É válido ler este livro, mas antes temos de nos despir do preconceito ante aquilo que é considerado uma temática cabalista, privilégio de poucos mortais que dominam os conhecimentos supremos. Devemos entrar na viagem de Júlio César que como grande contador de histórias nos coloca lá longe, na arábia medieval cercada de califas, sultões e vizires, trabalhada com a mais perfeita arquitetura e repleta de desertos e oásis idílicos. Aí sim os problemas como a divisão dos 35 camelos, o pagamento de 8 pães com 8 moedas ,a proporção da quantia devida pelo mercador de jóias, a divisão dos 21 vasos de vinho tornam-se verossímeis o bastante para atiçar nossa curiosidade. 
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